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  • Graziela Brum

#QUINZE – GRAZIELA BRUM - EDIÇÃO 25

Por Graziela Brum na REVISTA VÍCIO VELHO

Desenvolver um projeto artístico requer escolhas, a começar pela forma de conduzir a produção. Em termos gerais, você pode trabalhar arte usando conhecimentos que giram em torno dos procedimentos. A evolução do processo ocorrerá em camadas e de forma organizada ao seguir um passo a passo e uma pesquisa pautada nas referências.

É uma maneira de iniciar quando ainda não se tem consolidado todos os elementos ou mesmo não se possui a segurança para executar um projeto artístico. Importante que se diga que não necessariamente o resultado obtido será uma obra de arte, pois torna-se muito fácil cair na repetição ou na cópia de outros projetos.

A proposta poética bem feita acontece quando o artista trabalha de forma investigativa, alinhando pesquisa e procedimento com o seu desejo interno. Com o desejo definido, o que é uma etapa difícil, agora é o momento da entrega. Sem entrega, o desejo de arte se perde. A entrega é uma etapa ainda mais complexa, pois exige a disposição do artista para o envolvimento com todos os elementos da obra que pretende construir.

A investigação em arte impede processos engessados ao promover o deslocamento, o encontro e o insight. O deslocamento como prática poética compõe a forma mais efetiva de trabalhar a criatividade na construção de projetos realmente originais. É uma filosofia contemporânea, mas de forma alguma rejeita a referência ou mesmo o projeto inicial. Aliás, dentro da Residência Artística Campo de Heliantos uma das formas de construir o projeto artístico é pelo registro em livros/cadernos de artistas, com a experimentação de várias expressões, como: a fotografia, a ilustração, a cianotipia, a colagem, a escrita, a poesia, entre outras.

É preciso dizer que o artista precisa ser não apenas encorajado para a investigação, mas também fortalecido, pois entre a vontade, a intenção do projeto artístico e o produto, digo, a obra final há um campo muito longo e vasto de possibilidades, onde podem, ou melhor, vão ocorrer erros e desacordos, o que é totalmente normal. O artista deve ser livre e entender o erro como parte do processo.

No processo investigativo, a linguagem não é concreta/fixa, pelo contrário, é dinâmica, ou seja, está em trânsito. Investigar é uma forma de se permitir e experimentar estruturas, plataformas, suportes. Aqui, é importante mencionar que existem fragilidades quando se constrói arte pela investigação, sobretudo, a frustração de não chegar onde se imaginou com o processo criativo ou mesmo cometer erros durante a travessia. Porém, é preciso saber que produzir arte é de certa forma se frustrar, saber que o resultado da obra não será igual ao imaginado no início do processo.

São riscos que precisamos assumir por escolher um caminho não definitivo, entender que poderá acontecer justamente o que não foi programado. E o que é ainda mais curioso, o não programado pode se tornar o principal acontecimento. Enfim, ser livre de regras, pronto para as experimentações, ajuda a seguir no processo e finalizar a obra.

Agora, a investigação é uma forma de trabalhar arte que parte de um ponto peculiar do desejo e obra do artista, não existe nenhum ponto pré-estabelecido ou que se possa aprender no ensino formal de educação. São formas de linkar conhecimentos e aprendizados e percepções estéticas ao desejo de produção do artista. É um processo independente e que de certa maneira parece solitário. Por isso, entende-se o valor da residência artística nos processos de colheita e investigação. A residência artística é um lugar para trocar referências, informações e delírios, ainda mais quando o espaço possui uma filosofia pautada na experiência artística.

Na Residência Artística Campo de Heliantos trabalhamos o deslocamento ligado à ideia de ultrapassar fronteiras e promover mudanças. Ação que evite o comodismo e a inércia e possa levar o artista a portar uma nova possibilidade de identidade, aprofundando a pesquisa e os processos pelo olhar desviado na caminhada. O grande estímulo fornecido pela Residência Artística Campo de Heliantos encontra-se justo no registro em cadernos de processos, cadernos de artistas, lugar em que o residente anota e se expressa livremente para mais tarde buscar as interlocuções de cada estímulo registrado. É uma forma livre de conduzir, mas ao mesmo tempo promove o envolvimento constante e original.

A residência artística cria uma forma íntima de relação com a arte para buscar condutas que fujam das regras e ao mesmo tempo não se percam na travessia por dificuldades ou frustrações. É um espaço de evolução e, principalmente, um lugar para o artista pesquisar qual o melhor caminho para conduzir cada projeto.

_______________________ Graziela Brum idealizou e coordena o Projeto Literário Senhoras Obscenas. Vencedora de dois concursos ProAc em São Paulo, com Fumaça (2014) e Jenipará (2019) – que é o primeiro romance de uma trilogia sobre a Amazônia -, também publicou Vejo Girassóis em Você (Lumme), de prosa poética.

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